Páginas

Mostrando postagens com marcador memórias. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador memórias. Mostrar todas as postagens

"Onde em nós a casa mora".

 

Após essa longa pandemia, com a chegada da vacina, se Deus quiser, tudo vai voltar ao normal. Mas por enquanto ainda não podemos sair em segurança (desculpa, sociedade, ainda não). Talvez fazer um programa ao ar livre, com umas quatro pessoas mais íntimas, não tenha tanto problema, mas ainda não me arrisco a grandes aglomerações, sobretudo, em lugares fechados. E, sendo assim, trago o "barzinho" para dentro de casa, afinal, ninguém é de ferro.

Isso me faz pensar em onde moramos, como habitamos as nossas casas, de que forma vivenciamos o nosso espaço. Lembro de numa frase do escritor Mia Couto, que diz: "O importante não é a casa onde moramos. Mas onde, em nós, a casa mora" (do livro "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra"). Eu penso muito nesta frase, considero-a um pensamento suscetível a inúmeras e profundas reflexões. Lembro-me dela todas as vezes em que entro pela primeira vez na casa de alguém. Cada pessoa tem um jeito de morar, mas onde e como a nossa casa vive em nós?









Eu gosto de ficar em casa. Canso de dizer isso. Repito mil vezes o lema deste blogue, “Porque o melhor lugar do mundo é a nossa casa”. A minha casa vive em mim o tempo todo, aqui criei raízes. Eu penso na minha casa quando estou na rua, quando vejo um objeto de decoração, um móvel, um papel de parede... Quando viajo, sinto saudades da minha cama, da minha louça, das plantas, das almofadas, do cheiro da minha casa. Aqui ninguém sai sem um cafezinho com bolo, ou um vinho, uma cervejinha gelada. Na minha casa só entram pessoas muito especiais. A minha casa tem tanto de mim, tantas características minhas, tanta personalidade em tudo, que é como se eu mesma tivesse construído esse espaço, tijolo por tijolo.

Eu não a construí, infelizmente, meu pai comprou esta casa nos anos 80. Entretanto eu a construo dia após dia, cuidando dela. Cada comidinha gostosa que eu cozinho deixa as panelas mais bonitas. Toda vez que acendo uma vela ou um incenso a energia circula; se houver algo negativo, vai embora e deixa entrar toda vibração positiva da Espiritualidade superior. Em cada prece que faço dentro de casa, é com Deus que me conecto, meu pensamento voa alto, com meus pés fincados aqui. Os vinhos que tomo sozinha ou acompanhada brindam à alegria e à gratidão de ter um lugar onde eu me sinta tão feliz e para onde eu tenho tanta vontade de voltar.

A minha fachada precisa de uma pintura nova, que será concluída em breve. Quando olho para ela, sempre me vêm à memória a minha mãe na janela, chamando-nos para jantar. Neste quintal, que já foi infinito, brincamos de elástico, de pique, de queimado, cutucamos a mangueira, tantas vezes, eu e meus irmãos, e quando caía uma manga, era aquela correria para ver quem pegava primeiro. Eu tinha uma rede entre as pernas de uma banqueta que ficava no quarto da minha mãe, e nessa rede dormia minha boneca Emília, hoje este quarto é meu. Com tijolos, fizemos casinhas no quintal, fogãozinho. Aqui meus irmãos e eu tomamos muito banho de mangueira. À noite, eram dois os meus programas favoritos, ou ficava olhando as estrelas, ou lendo a obra de Monteiro Lobato, presente do meu pai. Os alicerces da minha vida foram construídos nos alicerces desta casa. Assim ela mora mais em mim do que eu nela.

Não existe morar sem liberdade. Aqui eu me sinto livre, ando para um lado e para outro, sou a Rainha do meu Estado; conheço toda a potência desta casa, ainda não totalmente desenvolvida porque os meus recursos financeiros são parcos. Conheço também todas as suas fragilidades, uma porta que não fecha direito, um descascadinho na parede ou o azulejo antiguinho do banheiro. Mas nada disso é problema, porque morar bem não é ter luxo, é olhar em volta e ver as suas referências, é sentir-se protegido e feliz em um ambiente, é receber as pessoas queridas com carinho e alegria, é orgulhar-se do ambiente que tem a nossa cara, é desejar sempre voltar para casa.



Besitos.

 


Uma casa precisa ser um lar, para que a gente seja feliz

Acho que nunca fiquei tanto tempo longe daqui. A ascensão do Instagram, hoje considerado blogue por muita gente, a criação da minha loja virtual de acessórios femininos, uma profunda crise de depressão, uma separação traumática, um relacionamento abusivo, enfim, foram muitos os fatores que me afastaram deste blogue, que criei em 2010 (meu Deus! vamos fazer 10 anos!), porque eu vivia angustiada por viver em uma casa que não tinha nada a ver comigo, um espaço que eu queria modificar e imprimir personalidade, mas não tinha forças para fazê-lo sozinha. 






Na verdade, acho que esta é a primeira vez que escrevo sobre as razões pelas quais eu criei o blogue. Eu tinha sim o interesse de escrever sobre Decoração, porém, era mais do que isso: era o desejo de escrever sobre o ato de morar, o desejo era morar em uma casa que me fizesse bem. Eu morava na época na mesma casa em que moro hoje, contudo, hoje ela tem a minha cara, embora estejam faltando alguns detalhes ainda. Hoje eu vivo em um ambiente harmônico, com personalidade, mas quando eu resolvi escrever o Casinha Bonitinha, eu estava em busca de identidade. 




Vindo de um primeiro casamento em que o meu apartamento pouco ou nada refletia a minha imagem, porque tudo era escolha do ex marido, fui morar com minha mãe. Eu estava doente. Minha mãe me acolheu e cuidou de mim. Eu vivia com o então marido em um apartamento bom, mas para onde eu nunca queria voltar. O relacionamento era muito opressor, principalmente depois que a filha dele foi morar conosco. Eu não podia decidir nada, nem o que fazer num domingo de manhã, nem mesmo trocar almofadas porque ele pouco ou nada gostava de estampas. Plantas em casa nem pensar, a não ser que a menina quisesse. O pior foi começar a odiar a minha casa por conta da terceira pessoa, que vivia ali, tomando o espaço cada vez mais, de inúmeras formas. Não quero falar sobre o casamento em si, pois isso é algo superado, mas sobre o ato de morar. Toda essa opressão foi me afastando da minha própria casa e me fazendo adoecer.






No segundo casamento, o marido veio morar nesta casa onde moro hoje. Veio assim, sem mais nem menos. Veio sem dizer que vinha (eu precisei perguntar: você está morando aqui?). Apenas entrou e eu, apaixonada como estava, sentia sim, percebia sim aquele movimento, mas ia abafando aquilo dentro de mim, por medo de perder a pessoa que eu amava. Então eu abracei aquela ideia, comecei a fazer planos, porque a casa precisava de algumas reformas, depois percebi que, embora eu não vivesse sozinha, os planos eram só meus. Fui para a internet procurar referências, comprei muitas revistas de decoração e construção e comecei a sonhar. Então, criei o blogue.




Dois cachorros grandes dos quais eu cuidava sozinha, livros espalhados por toda a casa, roupas, revistas e jornais, cachimbos, bombinhas de asma, tudo ficava totalmente espalhado e, por mais que eu conversasse, nada mudava. Cada vez que eu lavava o quintal (e isso era diariamente, afinal era 2 cachorros), eu chorava, sofria uma angústia cortante, minha garganta "fechava", e eu não sabia se odiava o marido, os cachorros ou a mim mesma, por me permitir viver aquilo. A casa precisava de um muro novo, uma pintura nova, consertos no telhado e outros detalhes. Nada, absolutamente nada importava para ele, e eu me vi novamente sozinha nos meus planos de ter um lar agradável e com personalidade. É óbvio que eu, apoiada na terapia, arregacei as mangas e contratei pedreiro, pintor e eletricista para resolver os problemas. 





Hoje minha casa tem a minha cara. Eu moro em um ambiente do qual me orgulho porque eu cuido de cada detalhe. Tenho algumas plantas, quadrinhos nas paredes, cores em detalhes, luminárias e penduricalhos. Cada coisa tem o seu lugar, a bagunça acabou. Tenho um cachorrinho fofo e uma orquídea. Só faltam a pintura externa e um painel vertical de plantas. Tenho até um chuveirão no quintal. Ainda pretendo trocar o rack da sala por um novo, com pés palito, e comprar um lustre para o meu quarto.
O mais importante não é o que a casa tem, mas como eu me sinto bem aqui!!!!!! Como eu tenho vontade de voltar para casa!!!!!!!! Como gosto de receber minha família e meus amigos aqui!!!!!! Quem entra na minha casa, geralmente, diz: "sua casa é uma graça!", e a casa é tão simples, minha gente! Deve ser a minha alegria, o meu bem-estar, que acabam contagiando as pessoas. É o meu lugar, minha segurança. Minha casa é meu "bunker", meu porto seguro, meu espaço, minha intimidade. Gosto de ficar em casa, cuidar da casa, limpar, organizar, decorar do meu jeito. Não há como viver em um espaço com o qual eu não tenho identidade. Amo minha companhia, amo ficar em casa, porque a minha casa tem a minha cara. Meus quadros, meus livros, discos, vinhos, filmes, lembranças de viagens, tudo isso forma não só meu arcabouço referencial para a vida, mas também o meu aconchego. É em casa, e sozinha, que faço as minhas viagens interiores; mergulho bem fundo no sentido das minhas preferências, no simples fato de escolher a cor de uma almofada. Quem sou eu? Hoje toda a minha casa pode responder parte desta pergunta.

Casa de luxo

"Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. (...) Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos (...).''

Manoel de Barros


As palavras do escritor Manoel de Barros traduzem muito do que eu sinto em relação à minha infância. 

Na primeira casa onde moramos, meus irmãos e eu, eu me escondia, brincando de pique, atrás de uma viga que nem existe mais. 

A varandinha minúscula da casa da minha madrinha parecia imensa, com aqueles jogos antigos de mesa e cadeira de ferro, onde eu brincava de casinha. A escadaria na sala do meu avô João chegava a assustar a menina que tinha medo do escuro.

As pitangas maduras, o tutu de feijão que comia com meu saudoso padrinho antes do almoço de domingo, o velocípede do meu irmão, minha mãe dizendo "Flavia, vai catar os brinquedos!"...

Desde sempre eu prestei atenção em casas. Os ladrilhos hidráulicos e a cadeira de balanço ("filhinha, cuidado com a parede!") da casa do meu avô, as cortinas e almofadas de chita da minha madrinha, os tapetinhos de fuxico da minha vovó Cecília, lá de Cantagalo, os paninhos de crochê da tia Maria Ercília encantavam meus olhos, quando mocinha. Dessas coisas eu jamais me esquecerei.

E hoje, tento todos os dias, transformar a minha casa em um lar, com gosto de feijão, cheiro de café, farelo de biscoitos pelo chão, meus livros, música, quadros, fotos, plantas. E em tudo isso, sigo buscando a menina que fui, catando os meus brinquedos pela casa.



 

O quintalzinho com piscina da foto é um luxo.
Luxo mesmo é tornar esse espaço inesquecível.

Besitos.


Flavia, emocionada.


Imagem: Decorology    





Layout por A Design